Glória Maria: pioneirismo e referência para jornalistas negras
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A perda, na manhã de hoje (2), da jornalista Glória Maria, causou um grande impacto na imprensa nacional. Mas, em especial, as jornalistas negras sentiram a perda de sua principal referência profissional.
Kariane Costa, presidenta da Empresa Brasil de Comunicação, coloca o pioneirismo de Glória Maria ao lado de figuras históricas como Antonieta de Barros, fundadora do jornal A Semana e diretora da revista Vida Ilhoa, ambos de Florianópolis, e uma das três primeiras mulheres eleitas no Brasil, em 1934; e Almerinda Farias Gomes, cronista do jornal A Província, de Belém, uma das duas únicas mulheres na Assembleia Constituinte de 1934.
“Glória Maria sempre foi uma referência para mim, perdemos hoje uma grande inspiração para todas nós, jornalistas negras. Sem ela para abrir esses caminhos, eu não estaria nessa posição hoje. Enquanto Antonieta e Almerinda abriram as portas no início do século passado, Glória trilhou brilhantemente pelo telejornalismo e foi uma influência determinante para a minha geração”.
Professora titular da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC-UnB), Dione Moura pesquisa a atuação de jornalistas negras brasileiras. Relatora do projeto de cotas e ingresso de indígenas da UnB, Dione destaca que Glória Maria abriu caminhos para a visibilidade de negras na profissão.
“Ter Glória Maria, uma mulher negra, como referência no telejornalismo e no jornalismo brasileiro, deve ser tomado como inspiração para atuais e futuras gerações de jornalistas e mulheres negras no Brasil. A imprensa comercial, aos poucos, tem aberto espaço para dar visibilidade às jornalistas negras e Glória Maria, um nome para não ser esquecido, teve papel fundador e histórico”.
A apresentadora do telejornal Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil, Eliane Benício, lembra com orgulho de ter entrevistado sua grande referência na faculdade, quando ela falou do racismo e machismo estrutural que enfrentava.
“Glória Maria para mim sempre foi referência de mulher negra competente, exercendo o bom jornalismo. Eu tive a oportunidade de entrevistá-la na reta final do meu curso de comunicação social e a ouvi dizer que, por ser mulher e negra precisava matar não um, mas dois leões por dia para manter o seu espaço. A fala potente fez diferença pra mim e faz até hoje, já que infelizmente ainda não está ultrapassada. Glória Maria, porém, abriu o caminho. Eu e outras colegas seguimos”.
Fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro (Cojira-Rio/SJPMRJ), Angélica Basthi afirma que Glória Maria foi uma “gigante” no jornalismo, como ser humano, como uma mulher e, principalmente, como mulher negra.
“Ela brilhou na televisão brasileira, ela ajudou a construir a história do jornalismo na televisão brasileira e, por décadas, ela foi a única referência como pessoa negra dentro do nosso jornalismo e sempre brilhando. Como ela mesmo dizia, ela não tinha medo do medo. Então ela conquistou o público, a nossa admiração e a nossa estima porque ela sempre se dedicou a trazer para as telas da televisão brasileira a essência do jornalismo, que é a busca da verdade.”
Coordenadora das edições 2011 e 2012 do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento, que reconhece produções com ênfase na questão racial, Angélica Basthi se emociona ao falar da participação de Glória Maria no evento.
“Eu cresci vendo as reportagens da Glória Maria, tornei-me jornalista por conta da Glória Maria sim e falo isso com muito orgulho. Tive a felicidade de conhecê-la e convidá-la para fazer a entrega na premiação e a Glória aceitou o nosso convite com toda alegria e sempre mantendo o compromisso que ela tinha com a questão racial. A Glória Maria não precisava dizer muita coisa, né? A nossa pele fala e a Glória Maria falou durante décadas, dando voz a milhares de vozes de mulheres negras e homens negros nesse país. Ela deixa um legado inestimável e vai fazer muita falta”.
Homenagens
Pelas redes sociais, diversas jornalistas negras também renderam homenagens à Glória Maria. Veja algumas delas:
Luciana Barreto, da CNN e ex-apresentadora da TV Brasil: “Glória Maria, nossa referência, partiu hoje, dia de Iemanjá. Arrasada! Tive a sorte de pedir conselhos em momentos privados. Glória era uma mulher de grande sabedoria. Ela foi além de qualquer uma de nós e deixou um recado: não estacione! Iremos além também por você, Glória!”
Flávia Oliveira, da Globo News: “É a Glória. Glória Maria, a jornalista, partiu nesta manhã de 2 de Fevereiro, dia de Iemanjá. Referência no telejornalismo brasileiro. Referência para mulheres jornalistas. Referência para negras jornalistas. Referência. Que o Orun a receba em festa neste dia de celebração e fé. Minha mãe Iemanjá te receba na Glória que você já é. Meu carinho às filhas, aos familiares, aos amigos, aos colegas, aos fãs. Lembraremos de nossa querida para sempre”.
Basília Rodrigues, da CNN: “Então, só o que agradecer. Obrigada Glória Maria pelo exemplo de profissional e ser humano. Você sempre foi força. Meus sentimentos à família”.
Maju Coutinho, da TV Globo: “A presença negra, intensa e assertiva de Glória na maior emissora do país sinalizava para mim que era possível, era preciso, era também meu direito e de outros parecidos comigo ocupar lugares de destaque. Celebro aqui a existência dessa mulher que me ajudou a existir e a resistir.”
Thais Bernardes, fundadora do portal Notícia Preta: “Se eu existo hoje é porque Glória Maria abriu caminhos para mulheres como eu! Sempre digo nas minhas palestras que quando jovem eu sonhava em ser a próxima Glória Maria. Eu só tinha ela como referência na minha profissão. Glória foi pioneira no jornalismo. Glória enfrentou machismo, racismo, encarou a ditadura. Sempre com muita altivez e profissionalismo. Sigo sonhando em um dia ser 10% do que é Gloria. Sem ela, talvez hoje eu não existiria. Vê-la na TV é saber que eu também poderia estar ali. Sigamos honrando o legado da maior jornalista do Brasil!”
Marcelly Setúbal, da Globo News: “Pioneira não porque quis. E, sim, porque teve coragem e forças para enfrenar tantas dificuldades impostas pelo racismo e pelo preconceito. Se eu e tantos colegas negros estamos onde estamos foi porque ela, um dia, abriu as portas. Vá em paz e obrigada.”
Luto oficial
O governo do Rio de Janeiro decretou luto oficial no estado pela morte da jornalista. Em nota, o governador Cláudio Castro declarou que “Glória Maria era um nome forte do jornalismo brasileiro”.
“Uma profissional que foi sinônimo de competência, talento e dedicação em tudo o que fez. Mas também não podemos deixar de exaltar a mulher Glória! Todos precisam saber da história da menina humilde, nascida no RJ, que com muita garra e determinação lutou contra o preconceito, as dificuldades, e alcançou lugares altos”.
Glória Maria era filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta. Deixou duas filhas, Maria (15) e Laura (14), que adotou em 2009.
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Agência Brasil